Wednesday, February 01, 2006

Reportagem Folha de Londrina - 28/01/2005

Aventura no maior granito do mundo
O londrinense Nicola Martinez é o primeiro a escalar sozinho o paredão do El Capitan, no Yosemite Nacional Park, na Califórnia
A pedra de granito El Capitan, no Yosemite Valley: parque é considerado um dos lugares mais bonitos do mundo
Nicola Martinez: ‘‘A previsão era ficar apenas duas semanas e acabei ficando sete meses morando no vale’’.O El Capitan, com pouco mais de mil metros de altitude, estão os desafios da escalada, o prazer indescritível de dominar um mito para a maioria dos escaladores de big wall e uma natureza exuberante - que faz do Yosemite National Park, na Califórnia (EUA), um dos lugares mais bonitos do Planeta. Um desafio enfrentado pelo londrinense Nicola Martinez, 26 anos, o Nick, que se colocou com a façanha no platô de primeiro brasileiro a escalar no estilo solitário o El Capitan, no Yosemite Valley, a principal região do parque, onde estão atrações como a Yosemite Falls, a cachoeira mais alta da América do Norte, com 739 metros. Outros brasileiros já toparam a proeza de subir o paredão polido pelas geleiras, mas nunca sozinhos. Nick também desceu com o recorde de vias escaladas no vale. Sete vias no total. Durante os sete meses em que passou em Yosemite, um mês foi pendurado nos paredões, alcançando um sonho de criança. Para acompanharmos melhor a aventura de Nick, vamos nos situar no parque, que recebe anualmente 4 milhões de turistas. Com altitudes que variam de 609 a 3.963 metros acima do mar, 94,5% do território é selvagem. Um cenário de cair o queixo que fez o fotógrafo Ansel Adams dedicar mais de meio século fotografando as belezas do parque. Exuberância que está a 5 horas de carro de São Francisco, nas montanhas de Sierra Nevada, com imensas torres perpediculares de granito, centenárias sequóias gigantes e cachoeiras, que se espalham por 1.170 milhas quadradas, capaz de fazer o presidente Theodoro Roosevelt cunhar a frase: ''Este é o lugar mais bonito do Planeta''. Depois de ralar durante quase um ano, trabalhando na cozinha de uma estação de verão na cadeia de Dolomiti di Brenda, Itália, Nick conseguiu juntar dinheiro para a série de escaladas. ''Cheguei no parque dia 13 de abril de 2004. A previsão era ficar apenas duas semanas e acabei ficando sete meses morando no vale. Fui sem grandes pretensões de fazer a escalada. Conheci vários lugares e pessoas que me incentivaram'', conta Nick, ressaltando que a força dada pelos amigos também se estendeu a equipamentos, que não custam menos que U$ 4 mil. Em cada metro paredão acima, Nick teve que lutar para não se impressionar com os acidentes. A escalada tem duração que varia de dois dias a um mês, enfrentando paredes negativas onde a única saída é através do cume ou esperar o socorro de um helicóptero, tendo que ''guardar'' os equipamentos de segurança nas fendas das rochas. ''Logo depois que um casal de japoneses morreu nos paredões da via Triple Direct, do El Capitan, eu quis fazer a escalada com alguns amigos para me divertir. Enquanto subia pensava:'Os japoneses morreram nessa via'. Até parece que os caras estavam ali. Não tinha como não pensar. Uma das minhas amigas, que foi comigo, Roberta Nunes, de Florianópolis, já tinha escalado na Patagônia e dizia que os ventos eram patagônicos. No dia seguinte, abriu um tempo legal. Decidimos sair rápido do lugar'', lembra Nick. No big wall, os graus de dificuldade variam. Nick dominou o El Capitan em uma escalada solitária, que durou onze dias, o mesmo tempo de duração da escalada com os americanos Walt e Dave Turner, por um outro paredão. Seguir morro acima sozinho, puxando a bagagem que pesava cerca 150 quilos, não é tarefa das mais fáceis - tanto que o alpinista desceu dos paredões seis quilos mais magro. Cinquenta litros de água para um consumo de quatro litros por dia, fogareiro, comida enlatada e barra de cereais fazem parte da ração diária na montanha. O portaledge - uma maca de alumínio e nylon - é a cama do alpinista. ''Para não fazer as necessidades em quem está lá embaixo, a gente faz tudo dentro de um saco de papel e coloca num tubo de PVC, fechado nas extremidades. O difícil é depois de onze dias, abrir aquele negócio...'', conta Nick. No dia-a-dia na montanha, não existe tempo para solidão e se ela aparece, o alpinista chega a conversar com o equipamento. Preparando-se para voltar ao Yosemite Valley este ano, Nick guarda o respeito que todo alpinista e outros praticantes de esportes radicais devem ter com a natureza, reconhecendo os próprios limites. ''Depois que a gente sai do chão, com o cume mais próximo, contemplando o vale com rios e cachoeiras...o prazer é indescritível'', aponta Nick para o platô da realização pessoal, que deseja visitar outras vezes.
Francismar Lemes Reportagem Local

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